A necessidade de uma educação antirracista urge. O racismo estrutural ainda hoje, apesar de toda discussão e mídia, não é denunciado por educadores que, ao contrário, perpetuam práticas e olhares sobre o corpo negro presente na escola aniquilando-o e reproduzindo violências e traumas históricos. A literatura na escola pode ser um disparador para fazer emergir o tema e, acima de tudo, construir um imaginário enegrecido, tão necessário para a autoestima positiva do aluno negro.Trazer autores, histórias nas quais os personagens negros são protagonistas, ou que ao menos sejam apresentados como sujeitos em toda a sua complexidade, é essencial. No país da falsa democracia racial, desvelar a presença do racismo é fundamental para começarmos a construir práticas realmente antirracista.
Trouxemos aqui algumas propostas com textos de Júlio Emílio Braz, um dos homenageados da Feira do Livro de Itaboraí 2022.
Antecipando a leitura
Temática
Você já olhou bem para seus colegas de turma? Como eles são fisicamente? A maioria é negra ou descendente (tem traços negróides, cabelo, pele, feições) ou a maioria é branca?
Por acaso, você já viu fotos de alunos de colégios de elite? Como é a maioria dos alunos?
Você compreende a relação histórica entre população negra e classes populares?
Para você, quando um colega chama o outro de "negão", por este ter a pele negra, é uma relação preconceituosa? Quando alguém é branco, é comum tratá-lo pela cor , tipo "Fala aí, brancão"?
Um pouco sobre o autor Júlio Emílio Braz
Um dos mais prolíficos autores da literatura infantil e juvenil contemporânea, Júlio Emílio Braz nasceu em abril de 1959, na cidade de Manhumirim-MG. Aos cinco anos foi para o Rio de Janeiro. Aprendeu a ler sozinho, aos seis anos de idade, através das revistas de terror a que tinha acesso.
Iniciou a carreira de escritor “por acaso”, quando perdeu o emprego e um amigo o aconselhou a procurar uma editora e oferecer-lhe as histórias que havia escrito. Assim, começou publicando histórias em quadrinhos e, mais tarde, escreveu narrativas de bang-bang, sob 39 pseudônimos diferentes.
Júlio Emílio Braz publicou mais de cem livros infanto-juvenis e a grande maioria deles trata de problemas sociais, sobretudo aqueles relacionados às crianças e adolescentes. O primeiro livro nessa linha é Saiguairu, de 1988, com o qual ganhou o prêmio Jabuti de Autor Revelação.
Tem livros publicados em vários idiomas e atualmente tem o próprio selo: Editora Ogro.
Elementos Paratextuais do Livro Pretinha, eu?
Observe a ilustração da capa da 4ª edição.
Para você, qual das três meninas seria a narradora que faz a pergunta título do "Pretinha, eu?"?
Leitura:
Fragmento do livro: Pretinha, eu?, de Júlio Emílio Braz
Alvoroço
Nossa!
Foi um grande alvoroço, uma confusão, um zunzunzum pra lá e para cá que só vendo!
Todo mundo foi pego de surpresa. Houve de gente que não acreditou nem depois que viu. Olhava e se entreolhava, o queixo caído, os olhos arregalados, como se sentindo enganada ou vítima de alguma brincadeira sem graça dos próprios olhos, ou como se estivesse vendo alma de outro mundo.
Não era para menos. Aquilo jamais havia acontecido no colégio Harmonia.
Nunca.
Nunquinha, nunquinha.
Foi ela aparecer no portão, vestida com o uniforme do colégio, para começar o olha- pra- ela, olha- pros-lados. Bom, na verdade, não era para ela propriamente. Era para pele dela. Ninguém entendeu. Ninguém engoliu.
Aquilo não podia estar acontecendo no colégio Harmonia.
Por quê?
Porque, em 100 anos de tradição, jamais alguém como Vânia entrara lá. Pelo menos, não como aluna.
Por quê?
Porque ela era... era... era ... era preta, pretinha, pretinha, pretinha de parecer azul.
O impacto foi tão grande que a primeira reação das pessoas - alunos, pais e alguns professores- foi de espanto. E dos grandes. Era algo surpreendente.
Em seguida, vieram os risinhos debochados. As brincadeiras sem graça. A implicância.
- Olha, o CIEP é mais a é mais lá para baixo, queridinha- mexeu uma das meninas logo depois que ela entrou.
Vânia nem olhou para ela.
Puxa...
Vânia parecia saber muito bem o que queria e era durona. Estava na cara dela. Até quando a brincadeira começou a passar dos limites, continuou andando, olhando em frente, como se não fosse com ela. Vânia parecia saber exatamente o que esperava quando pôs os pés no colégio Harmonia.
Senti uma inveja danada de toda aquela coragem. Não sei bem porquê. Quando vi, já estava sentindo aquilo. Na hora, achei muito esquisito.
É, ela parecia preparada para enfrentar qualquer coisa.
Tinha casa de teimosa.
Era bem pretinha, mas tão pretinha que do lado dela eu me sentia mais branca do que Carmita, com o seu rosto cheio de sardas e seus longos cabelos vermelhos. Vânia tinha o cabelo crespo, preso no monte de trancinhas como aqueles cantores de reggae que a gente vê na televisão. (...)
- Pretinha, pretinha - repetiam as meninas.
Este trecho é parte do primeiro capítulo do livro Pretinha, eu?. Depois, os colegas de turma vão compreendendo mais sobre posturas racistas e mais pessoas se identificam como negras. Leia o livro!
Compreendendo o texto
O que provocou um alvoroço na escola Harmonia?
Em um trecho a narradora declara: "Era bem pretinha, mas tão pretinha que do lado dela eu me sentia mais branca do que Carmita". Como podemos descrever fisicamente a narradora?
No trecho: "Vânia parecia saber exatamente o que a esperava quando pôs os pés no colégio Harmonia." O que esperava por Vânia no colégio? Como pode ser nomeada as atitudes das meninas para com ela?
Interpretação e Inferências
Sabendo que, na história, Harmonia é um tradicional colégio particular para a elite, qual foi a intenção da menina ao dizer que o CIEP era mais no final da rua? O que ela estava dizendo com isso?
No texto, Vânia foi descrita como uma menina "forte" que não se abalava com a provocação dos colegas. Para você, uma pessoa negra tem que suportar todas as ofensas?
Abaixo, você encontra um link com a contação que Carmen Lima fez do livro para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
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